Por: Rithyele Dantas da Republica.org

A diversidade, em todas as suas faces, é um tema fundamental a ser discutido nas empresas privadas, terceiro setor e, claro, também no setor público. Neste mês em que comemoramos o Dia Internacional do Orgulho LGBT+, é preciso lembrar que a gestão de pessoas no serviço público precisa dar a oportunidade dos profissionais públicos serem quem realmente são, fora e dentro do ambiente corporativo. Neste mês, mais que nunca, provocamos as lideranças de cada secretaria, diretoria, superintendência, comitês, comissões, em cada setor, a refletirem sobre suas ações para o acolhimento de profissionais LGBT+s e engajamento dos demais no respeito a cada orientação e identidade.

POR QUE JUNHO É O MÊS DE ORGULHO LGBT+?

Em 28 de junho de 1969, o mundo mudou para sempre na questão LGBT+. Naquele dia, transexuais, gays e lésbicas se revoltaram contra a violência policial que perseguia os bares da comunidade diversa de Manhattan, em Nova York. Dali em diante, multidões de pessoas que até então não tinham possibilidade de sair às ruas e reivindicar direitos, assim o fizeram. O movimento LGBT+ logo cruzou os Estados Unidos, chegou a São Francisco e de lá para outras muitas partes do globo. Nestes 51 anos, muito avançamos na conquista por dignidade: leis, paradas, direitos civis, respeito e reconhecimento. Mas ainda falta muito, todos sabem. As datas de celebração são datas de reflexão, então, neste mês, perguntamos: a gestão de pessoas no serviço público, espaço muito importante de promoção de bem-estar dos profissionais públicos, têm conseguido acolher pessoas LGBT+?

"O papel do gestor público não é protagonizar, é possibilitar que outros sejam protagonistas com suas múltiplas vozes." lio Georgini

Aproveitamos para reconhecer trajetória de profissionais públicos, entender qual é a importância de uma perspectiva LGBT+ dentro do setor público e como líderes públicos precisam lidar com liderados que fazem parte da comunidade. Entrevistamos dois profissionais públicos. Um deles é Cláudio Vega Filho, 28 anos, que trabalha no setor de Recursos Humanos da Secretaria de Estado da Fazenda do Estado do Rio de Janeiro. Entrevistamos também Nélio Georgini, 44 anos, profissional público LGBT+ e chefe da Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual da Prefeitura do Rio de Janeiro. Giorgini é profissional público há 15 anos e há três atua na prefeitura da cidade com assistência à população mais vulnerável.

 

Foto: UOL

Quais têm sido os principais trabalhos da Coordenadoria e como tem sido sua atuação durante a pandemia do Coronavírus?

O meu cargo, especificamente, é para dar assistência à população LGBT+. As gestões anteriores atendiam prioritariamente mulheres trans e travestis e aí eu comecei a atender homens trans com o projeto Trans + Respeito foi inclusive o primeiro prêmio internacional da Prefeitura neste governo. Nós somos a primeira Prefeitura que tem o 1746 LGBT. Também incluímos a questão do protocolo de atendimento eletrônico em alguns aparelhos da saúde para o respeito ao nome social e também o protocolo de atendimento às mulheres transexuais e travestis nas Delegacias de Atendimento à Mulher (DEAMs), um case pro Brasil inteiro. Na pandemia, estamos fazendo um trabalho junto à Secretaria de Assistência Social, uma das ações foi a entrega de cestas básicas para pessoas em situação de vulnerabilidade.

Muitos grupos LGBTs criticam a gestão do prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, na questão LGBT+, como você vê essas críticas e como trabalhar em governos cujo os líderes possam não apoiar a causa? 

Nesse caldeirão da democracia é necessário que todas as opiniões sejam respeitadas, inclusive a do prefeito Crivella, a de todas as pessoas que trabalham no setor público. Sobre trabalhar com governos que antagonizam com a pasta: é preciso dizer que o Brasil tem tratados internacionais, temos os entendimentos do Superior Tribunal Federal e Poder Judiciário. E mais do que tudo: a pasta LGBT é uma pasta de Direitos Humanos, quando falamos de Direitos Humanos falamos de supralegalidade. Todo mundo que trabalha com essas questões precisa ter razoabilidade, princípios firmes e capacidade de negociação.

Ainda falando de grupos LGBT+ da sociedade civil: muitos cobram apoio de governos às manifestações populares, como as Paradas LGBTs. Na sua opinião, essa deve ser uma política pública defendida também pelos governos?

A Parada LGBT precisa ser compreendida como uma forma de manutenção de uma causa que começou desde sempre pela liberdade e identidade das pessoas. No meu fazer diário, o tempo todo tento conscientizar os governos sobre o nosso caminhar. E digamos que a coroação disso tudo seja a Parada LGBT+. Também fico muito feliz porque os movimentos sociais LGBT+ estão cobrando e contribuindo para que nossa identidade possa ser reafirmada acima de tudo. 

Como gestor público, como acredita que devemos olhar e acolher profissionais públicos LGBT+ para que  consigam desenvolver seu trabalho de forma plena?

Precisamos pensar em múltiplas identidades e histórias. O que acredito para acolher populações LGBT+ nestes ambientes é que é preciso escutar, isso precisa ser um escutar sistêmico e preparado. É necessário também entender de gestão pública e direitos para entender a situação desses pessoas. Lidar com pessoas pressupõe uma qualificação. O gestor em si, precisa de um norte instrumentalizado para sair do achismo, é dinheiro público, pasta pública. É necessário deixar que essas pessoas também protagonizem, às vezes o papel gestor público não é protagonizar, é deixar que os liderados protagonizem.

Quais você considera os principais avanços em relação aos direitos da população LGBT+ no Brasil?

Poder casar com quem você ama e ter o direito tutelado pelo Estado é uma conquista. A questão do nome social das pessoas trans, com o próprio Supremo Tribunal Federal reconhecendo e normatizando esse direito do cidadão e da cidadã ter direito ao nome escolhido e do coração respeitado em seus documentos. Aqui no Rio de Janeiro, depois de 2 anos a gente conseguiu fazer com que o nome social fosse lei no município. Houve um caminhar para chegar até aqui. Acredito, porém, que a população LGBT espera que as Casas Legislativas se sensibilizem e que possamos ter atos normativos primários para que a gente possa ter mais resguardos nossos direitos.

Foto de Paulo Portilho 

Também conversamos com Cláudio Vega Filho, de 28 anos, o jovem trabalha na área de Recursos Humanos da Secretaria de Estado da Fazenda do Rio de Janeiro. Ele atua há 5 anos na gestão pública.

Você acredita que a gestão pública tem refletido sobre diversidade LGBT+?

Pensar em gestão pública para diversidade é algo muito aquém para o serviço público. As bases ainda são machistas. O comportamento ainda é limitante. Esses temas são discutidos mais no legislativo e no judiciário. No executivo, você não tem essa discussão. Quando chegamos na área de Recursos Humanos vemos que essa discussão não é feita mesmo. A discussão é muito sobre folha de pagamento e custo, avaliação de carreira, clima organizacional. "Minorias" no ambiente de trabalho ainda são debates que não existem.

Como é ser um homem gay no serviço público? 

A pessoa LGBTQI+ na gestão pública, a partir do momento em que se assume homoafetiva, ainda sofre muitos desafios, tem muito tabu. Também há uma diferença LGBTs negros e brancos. Não esperam que um homem negro e alto se assuma gay, isso é complicado. Estar nesse espaço, representando o Estado, também nos cobra uma postura de homem heteronormativo.

Como as lideranças devem olhar para os liderados LGBTs?

Achar líderes de verdade ainda é muito difícil, um concurso avalia sua capacidade técnica, o quanto você está qualificado, mas ele não avalia a capacidade interpessoal e de liderança. Como o setor público é hierárquico você não pensa em ser um líder e sim um chefe. Precisamos de empatia e se colocar no lugar de outras pessoas. Se tenho um grupo LGBTQI+ e se não tenho um ordenamento de como lidar, posso ter um carinho e formar dentro da minha equipe uma vivência sadia para que aquela população possa ser motivada. Os líderes têm que ser formados, não adianta se dizer líder e nunca ter conversado com um LGBTQI+, ser machista, racista. Isso tem que passar pela formação da liderança. Não temos módulos para "minorias", falamos de motivação, pirâmides e outras técnicas, mas não estudamos o que é o público LGBTQI+, o movimento negro e como lidar e interagir com essas pessoas. Acredito que esse debate está defasado.

Quais dicas você daria para um líder que está tentando ampliar ações para inclusão? 

Eu diria que é necessário escutar, se um líder não escutar está fadado ao fracasso e à desmotivação. Na gestão pública, geralmente, quando se fala em um "bom líder" se fala de quem não dá sanções, não prejudica, que tenta conversar. Mas esse líder, na verdade, precisa ser antenado e enxergar as potências nos liderados. 

 

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