“Central de Compras de Santa Catarina” é um dos finalistas da 6ª edição do Prêmio Espírito Público na categoria Gestão e Planejamento

Por Carina Bacelar — Especial para República.org

Centralizar os processos licitatórios de todos os 40 órgãos e secretarias de uma administração estadual parece uma tarefa complicada, e soa quase utópico fazer isso em cerca de um ano e meio. Mas essa foi a empreitada bem-sucedida de Carla Giani da Rocha e Karen Bayestorff, servidoras públicas que coordenaram desde 2021 a criação da “Central de Compras do Estado de Santa Catarina”.

Graças à economia de escala e à otimização das licitações, a iniciativa gerou uma economia real para os cofres do estado de R$ 83 milhões em 2023, o primeiro ano de funcionamento pleno. O tempo médio de licitação também caiu de 119 para 78 dias, e a mudança de paradigma na área de compras aumentou a transparência e conseguiu liberar profissionais das secretarias para exercer atividades mais centrais às pastas.

O projeto é finalista da 6ª edição do Prêmio Espírito Público na categoria Gestão e Planejamento, que tem apoio da Fundação Tide Setubal. “Prontuário Carioca da Saúde Mental” e “Plano de Desenvolvimento Sustentável e Ação Climática do Rio de Janeiro” concorrem na mesma categoria. A premiação é realizada pela parceria Vamos.

As servidoras públicas Carla da Rocha e Karen Bayestorff. Foto: Divulgação.

Segundo Karen, o grande êxito da iniciativa foi sua implementação rápida, mas cuidadosa, que estabeleceu um amplo diálogo com os gestores e profissionais dos diversos órgãos do estado.

“Precisávamos focar na implementação para alcançar os resultados que a gente pretendia, que eram economia de escala, padronização de processos, redução do turnover e transparência. A gente olhou para a implementação e pensou: é aqui que vamos ter que focar”, lembra Karen, administradora na Secretaria de Estado de Administração de Santa Catarina. “Se a gente não tivesse pessoas engajadas no processo, ele não ia conseguir virar. Por isso, colocamos os usuários no centro de tudo.”

Projeto nasceu após seminário de contas públicas

Carla e Karen lembram que a ideia da central surgiu em novembro de 2018, durante um seminário sobre contas públicas em Brasília. As duas mergulharam em uma pesquisa na literatura acadêmica sobre o setor, uma busca que incluiu também conversas com administradores públicos em Portugal, representantes do governo federal e dos estados do Rio Grande do Sul e de Minas.

Em meados de 2021, o grupo começou a desenhar a central dentro da estrutura da Secretaria de Estado de Administração. A ideia era adaptar um sistema cedido pela Secretaria de Educação, sem custos adicionais de desenvolvimento, e realizar a transição aos poucos. Em janeiro do ano seguinte, os sete primeiros órgãos já teriam compras centralizadas, e aos poucos os outros órgãos estaduais ingressaram no projeto.

Se a gente não tivesse pessoas engajadas no processo, ele não ia conseguir virar. Por isso, colocamos os usuários no centro de tudo.

Karen Bayestorff, administradora na Secretaria de Estado de Administração de Santa Catarina

Elas montaram então um banco de talentos para mapear profissionais que poderiam compor a iniciativa. Em seguida, começaram a planejar oficinas e formações. O objetivo era instruir os servidores das secretarias e órgãos sobre o novo processo de compras, além de engajar aqueles que poderiam resistir ao projeto, especialmente os gestores e funcionários diretamente envolvidos com as compras.

“A gente tinha que mostrar a eles que não seria uma perda de poder, e sim um ganho de todos os órgãos”, cita Carla, assessora técnica na Secretaria de Estado de Comunicação. “O primeiro passo foi trabalhar esses gestores. A gente fez uma apresentação, fomos aos locais de trabalho, visitamos cada um dos órgãos para mostrar que não haveria perda de autonomia, que ninguém teria ingerência naquelas compras, e tentar ir sensibilizando aos poucos”, lembra Karen.

Segundo ela, a celeridade e a visibilidade dos processos licitatórios também eram preocupações dos gestores. Para driblá-las, um dos trunfos da equipe era o “Painel de Compras”, um sistema que permite acompanhar o andamento das licitações em tempo real, conferindo mais transparência. “A gente garantiu para eles um acordo de nível de serviço de 120 dias, do pedido até a licitação finalizada. Nesse tempo, eles podem acompanhar tudo no painel”, observa Karen.

Equipe usou co-criação e design thinking para criar sistema

Já os servidores temiam mudanças profundas em sua rotina, e a equipe que coordenou a transição garantiu que as estruturas não seriam desmontadas, apenas reformuladas. Para vencer qualquer desconfiança, Carla e Karen se aproximaram desses servidores e abriram as portas para que eles pudessem contribuir na criação da “Central de Compras”.

“Fomos prototipando o novo portal de compras e o painel de compras com eles, para vencer essa resistência. O processo de trabalho também foi desenhado com eles. Quando eles se sentem parte, começamos a vencer a resistência”, conta Karen.

Todo o processo de implementação foi colaborativo e estruturado dentro da abordagem do design thinking — que coloca as pessoas no centro da inovação e usa ferramentas de design para integrar as necessidades de forma criativa. Os formulários de requisição de compras preenchidos pelos órgãos, por exemplo, foram modificados e melhorados a partir de sugestões.

A gente tinha que mostrar a eles que não seria uma perda de poder, e sim um ganho de todos os órgãos.

Carla da Rocha, assessora técnica na Secretaria de Estado de Comunicação de Santa Catarina

A equipe da central mapeou a taxa de devolução desses documentos digitais, e assim pôde resolver alguns gargalos, ajustando os formulários ou instruindo melhor os órgãos que registravam mais devoluções. “No final, a gente devolvia muito pouco (os formulários). Esse indicador serviu para a gente identificar e se aproximar dos órgãos que estavam com dificuldades”, explica Carla.

Processos padronizados e equipe diversa geram resultados positivos

Além de unificar processos licitatórios, a “Central de Compras do Estado de Santa Catarina” também padronizou esses processos, com o apoio do Escritório de Gestão de Processos do estado e com sugestões dos órgãos de controle.

“Cada órgão acabava fazendo de um jeito”, conta Carla. “Buscamos as melhores práticas, criar um processo padrão. Desenhamos as etapas, criamos formulários padronizados, documentos padronizados.”

Imagem ilustrativa.

No esforço de melhoria, a equipe da central percebeu, por exemplo, que 30% do tempo em que corriam as licitações era gasto com pareceres jurídicos. “Fomos à área jurídica para trabalhar um parecer referencial para algumas solicitações e para o incremento da equipe. E conseguimos reduzir o tempo”, lembra Karen.

A equipe, inclusive, é o coração do sucesso da central, na visão de Karen e Carla. Hoje, o grupo tem pouco mais de 40 pessoas, selecionadas a partir da experiência com compras em outros órgãos e, principalmente, a partir de critérios de diversidade e inclusão. A ideia era que aquele grupo pudesse representar a diversidade de interesses e vivências da administração do Estado e da própria população de Santa Catarina.

“Queríamos trazer as visões de todos os órgãos”, diz Karen. “A gente sempre teve essa iniciativa de mesclar as pessoas. Era imperativo para o processo dar certo.”

Elas trouxeram para os quadros da central pessoas negras, LGBTQIAP+, pessoas com mais de 60 anos e oriundas de diversas secretarias.

“O servidor da saúde, por exemplo, sabe que a licitação de papel faz a diferença para os pacientes oncológicos, porque sem ele a prescrição não chega. No caso da administração prisional, o servidor de lá sabe que a falta de produtos de higiene pode causar um problema, porque deixam de limpar as celas”, exemplifica Karen.

Carla, que tem 30 anos de serviço público, ressalta que o trabalho focado nas pessoas norteou todo o planejamento e implementação da iniciativa. “A grande inovação trazida pela Central foram as pessoas. Antes de ocupar um cargo específico, a gente é servidor público. E antes disso, é cidadão. Somos usuários daquilo que estamos fazendo. E levamos esse olhar para o processo de criação da Central. Ela é feita de gente.”

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