Há certo consenso na sociedade brasileira de que o serviço público detém quadros de grande capacidade técnica. A figura do(a) “servidor(a) concursado(a)” segue sendo respeitada pela população e, desse modo, ingressar no serviço público pela via do concurso público é aspiração e objeto de dedicação de muitos jovens e suas famílias. Contudo, esse consenso sobre a respeitabilidade e a capacidade dos nossos servidores públicos não se traduz em imediata admiração pelos serviços públicos em si, ou seja, na avaliação das entregas realizadas à população.
Existem diversas razões para essa aparente contradição. Uma delas, já apontada em outros textos deste autor, é a falta de priorização das estruturas de atendimento direto à população. Priorizá-las significaria contar com estruturas de excelência nos balcões de atendimento, servidores adequadamente valorizados para essa atuação e gestão qualificada exatamente na linha de frente, o que teria um enorme potencial de mudar substantivamente a visão que se tem das repartições públicas no país.
Outros fatores podem ser elencados para explicar tal situação: os exames de concursos públicos têm se demonstrado instrumento necessário, mas não suficiente, para verificação de aptidão dos candidatos ao cargo público. Além disso, parece haver alocação inadequada de talentos, com excesso de pessoal em determinados órgãos e localidades e nítida escassez de servidores em outros, sem esperanças de uma mudança de cenário em curto prazo.
A criação do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos e de sua Secretaria Extraordinária para a Transformação do Estado, tendo como uma de suas atribuições atuar em conjunto com a secretaria temática do Ministério com vistas ao aperfeiçoamento de critérios de seleção, capacitação, reestruturação de carreiras e de avaliação por meio de entregas e resultados dos servidores da Administração Pública Federal, são medidas salutares e bem-vindas para trazer esses assuntos à agenda nacional.
Como medidas concretas, já adotadas pelo Ministério da Gestão, estão: o reajuste concedido aos servidores públicos; o anúncio da abertura de mesas de negociação; e as autorizações para concursos em órgãos estratégicos, que notadamente estão deficitários em seu quadro de pessoal, como IBAMA e FUNAI.
Entretanto, um dos temas sobre os quais a pasta pode se debruçar com vistas a uma melhor alocação dos quadros já existentes na Administração é o aperfeiçoamento da mobilidade dos servidores públicos federais, prevista na Lei 8.112/1990 e em diversos instrumentos legais específicos, hoje regulamentada pelo Decreto nº 10.835, de 14 de outubro de 2021, e pela Portaria SEDGG/ME nº 6.066, de 11 de julho de 2022, alterada pela Portaria MGI nº 136, de 16 de fevereiro de 2023.
O instituto da movimentação poderia ser melhor aproveitado, por meio de suas diversas vertentes (cessão, requisição e adequação de alocação), se permitisse um fluxo mais simplificado de trânsito de profissionais públicos entre os diversos órgãos. Além de atender às aspirações de carreira dos servidores, os talentos poderiam ser melhor empregados por toda a Administração, apresentando grande potencial para a solução desse problema no setor público.
Essa não é, todavia, uma tarefa trivial. Os órgãos públicos costumam ter resistência em autorizar a movimentação dos seus servidores por receio de que não retornem ou abram precedentes para um efeito cascata de esvaziamento. Os profissionais públicos também costumam enfrentar dificuldades burocráticas de toda ordem nessas movimentações, desde a demora na análise dessas solicitações até a incompreensão de colegas em seu órgão de origem – ou a recepção pouco calorosa no de destino, a depender do grau de insulamento em que a instituição se encontra.
O estabelecimento de uma verdadeira política de movimentação estruturada e baseada em dados e competências teria potencial para solucionar grande parte dos problemas da má alocação. Em lugar de instrumentos impositivos – que podem levar, também, a disfunções –, haveria um trabalho em larga escala de dimensionamento da força de trabalho, que pudesse apontar quais órgãos se encontram de fato deficitários e quais estão superavitários. Para tanto, o amplo envolvimento das unidades setoriais e seccionais do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (SIPEC) seria um passo inicial importante.
Concluída essa etapa, a Administração poderia caracterizar a movimentação como política de gestão de pessoas do Estado, informando suas diretrizes e os objetivos almejados, com o estabelecimento de garantias aos servidores movimentados, bem como ações para transformar a maneira como o assunto é visto em grande parte das instituições públicas.
Modelos positivos, nacional e internacionalmente, não faltam. Na França, os servidores egressos do Instituto Nacional do Serviço Público (INSP), antiga Escola Nacional de Administração (ENA), podem atuar em variadas funções públicas. No Brasil, a Escola Nacional de Administração Pública (Enap) já possui consolidada iniciativa de conduzir processos seletivos para ocupação de funções gerenciais por meio da adesão dos órgãos ao Programa Líderes que Transformam e da criação de um banco de talentos para essas funções.
Além disso, o êxito e grau de profissionalização de carreiras com elevado percentual de movimentação ou alocação transversal nos sistemas da Administração, como as de Advogado da União e de Procurador Federal da Advocacia-Geral da União (AGU), de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (MGI), de Analista de Planejamento e Orçamento (MPO) e de Auditor Federal de Finanças e Controle (CGU) demonstra que os benefícios da oxigenação para o serviço público são concretos.
*As opiniões são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente as das instituições às quais se encontra vinculado.