Uma das características do espírito público que deve nortear a atuação do profissional que ingressa numa função pública é a vontade de “cuidar” da população. A palavra deve ser entendida não no sentido de ditar os rumos de cada cidadão, atuando como detentor de “pátrio poder” sobre a vida dos indivíduos, mas sim no sentido de acolher, escutar, ouvir os anseios e, mais que isso, oferecer respostas adequadas em termos de ações e políticas públicas, que possam atender aos seus anseios. 

Também é importante esclarecer que essas ações devem ser adotadas não como se estivessem sendo prestadas na forma de um favor ao cidadão, mas sim de forma profissional, no sentido de atender e – por que não? – buscar a satisfação daquele contribuinte que custeia todo o funcionamento da máquina pública. A exemplo de parcela significativa dos estabelecimentos comerciais do setor de serviços, que buscam se superar no quesito atendimento, no intuito de fidelizar o seu cliente, os serviços prestados pelo Estado não podem deixar a qualidade do atendimento de lado. Com o perdão pelo trocadilho, não pode faltar hospitalidade num hospital público, por exemplo.

As experiências relatadas em veículos de imprensa e nas redes sociais pela população, infelizmente, em grande parte vão no sentido contrário. Registre-se, todavia, a merecida homenagem àqueles profissionais que, apesar das adversidades, prestam atendimento de excelência nos órgãos em que atuam. Como fazer esse atendimento de excelência no setor público se tornar a regra, especialmente nos setores de maior interação no cuidado com a população, como os de saúde, segurança pública e atendimento ao público em geral?

Um dos pilares para alcançar esse patamar é a adoção da integridade como valor por cada organização pública e, nesse sentido, o estabelecimento de códigos de conduta, a criação ou fortalecimento das instâncias de Ouvidoria e a ampla informação à população sobre canais de reclamação e denúncia. Ouvidorias estruturadas e de fácil acesso aos usuários do serviço público, de preferência organizadas em sistema, que possam, uma vez pacificado o entendimento sobre determinado tema, emitir determinações sobre o atendimento ao usuário, garantem que as reclamações e denúncias ganhem eco e se revertam em ações concretas.

Atender com qualidade exige gestão e profissionalização. Capacitar quadros e despertar reflexão sobre o propósito na função pública, o qual, por sua vez, não pode se confundir com uma característica que só um grupo de altruístas detém. Esse despertar é essencial e necessário a qualquer um que se disponha a exercer uma função pública, e não é favor nem opção, é dever.

Outro ponto que pode contribuir e, felizmente, já está na agenda do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, conforme assinalado em entrevistas pela ministra Esther Dweck, é a avaliação da qualidade do serviço público sob a ótica dos usuários. Atualmente, ser bem ou mal atendido numa repartição pública não gera maiores impactos positivos ou negativos, seja para o profissional que realizou o atendimento, seja para a instituição que está prestando o serviço. Rankings de qualidade na avaliação dos usuários, que promovam reconhecimento das instituições e profissionais e que joguem luz sobre órgãos que não estão cumprindo sua missão adequadamente, apresentam um grande potencial de promover mudanças.

A título de reflexão, cabe lembrar que foi noticiada em diversos veículos de imprensa a constatação sobre a redução da busca por vacinas tradicionais do calendário nos últimos anos. Atribuiu-se a responsabilidade por esse fato, em grande medida, à população, que teria sido influenciada por fatores político-ideológicos ou de segurança (afinal, durante a pandemia, muitos de nós acabamos buscando resolver fora de casa apenas situações de extrema urgência/gravidade), os quais teriam contribuído para que a população não procurasse mais as vacinas como em anos anteriores. 

Mas, por outra perspectiva, podemos perguntar: será que não existe uma parcela – ainda que pequena – de contribuintes que, mesmo desejando se vacinar, enfrentou dificuldades no atendimento e acabou desistindo? Alguns exemplos de situações possíveis: chegar a uma unidade de saúde e ser informado apenas no local que o horário de atendimento, na prática, é diferente do que está informado no site da Secretaria; que naquele dia aquela determinada vacina específica não é oferecida, mesmo não havendo qualquer aviso público a respeito além de um cartaz na recepção da unidade; ou encarar uma fila, mesmo tendo poucas pessoas, e nela permanecer por horas sem uma explicação plausível sobre a demora e, desse modo, tendo que retornar ao trabalho sem se vacinar. Olhar para essas “dores” é necessário se desejamos aprimorar a experiência do usuário dos serviços públicos.

Atender com qualidade exige gestão e profissionalização. Capacitar quadros e despertar reflexão sobre o propósito na função pública, o qual, por sua vez, não pode se confundir com uma característica que só um grupo de altruístas detém. Esse despertar é essencial e necessário a qualquer um que se disponha a exercer uma função pública, e não é favor nem opção, é dever. Nesse sentido, está na hora da Lei 8.112/1990, o conhecido Regime Jurídico dos Servidores Públicos Federais, e os normativos similares das demais esferas positivarem o dever de cuidado que cabe aos agentes públicos – trazendo em seu texto não apenas o dever de urbanidade, mas o dever de atender com empatia, em busca da excelência e da satisfação dos usuários dos serviços públicos, como imperativo da própria razão de existência das instituições públicas.

Alex Cavalcante Alves

Alex Cavalcante Alves é servidor público federal, integrante da carreira de analista da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), onde é assessor-chefe de gestão estratégica da Superintendência de Gestão de Pessoas. Foi um dos vencedores, no eixo setorial gestão de pessoas, do Prêmio Espírito Público 2021, presidiu o Fórum de Recursos Humanos das Agências Reguladoras Federais e foi conselheiro do Centro de Altos Estudos do Tribunal de Contas da União (TCU). É mestre em Direito, área de concentração Políticas Públicas, Estado e Desenvolvimento, pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Autor dos livros “A Recondução do Servidor Público” e “Participação Social, Welfare State e Regulação no Brasil”, é professor de Direito e de Administração Pública, e fundador do Movimento Gestão Pública Eficiente (MGPE), iniciativa da sociedade civil que visa ao aperfeiçoamento constante da qualidade da administração pública no Brasil.

Inscreva-se na nossa newsletter