Governança de dados é caminho para melhorar gestão de pessoas no serviço público e entregas à população

Publicado em: 24 de setembro de 2024

Índice
Dados permitem traçar perfil dos servidores e outras informações relevantes para gestão de pessoas
O que é e para que serve a governança de dados
Governança de dados possibilita estratégia de gestão de pessoas

Governos em geral e ao redor do mundo são conhecidos por serem detentores e produtores de dados dos mais diversos tipos. Entretanto, são pobres em informação. Coletam e armazenam diversos dados, um “material bruto”, mas não os transformam em informação, ou seja, não os analisam para extrair evidências que sejam úteis. E, quando falamos de análise, tratamento, disponibilização e uso efetivo dessas informações no processo decisório, ainda há um longo caminho a ser percorrido.  

No contexto das organizações públicas, o uso de dados é essencial para a formulação de políticas públicas mais efetivas e para a geração de valor público. Nos últimos anos, houve avanços significativos no Brasil, como o aumento do letramento em dados e a adoção de práticas sofisticadas de análise de dados (data analytics). No entanto, essas práticas ainda não são amplamente utilizadas e estão ainda mais longe de serem institucionalizadas nas estruturas e processos decisórios das organizações públicas. 

Quando o foco é o uso de dados na gestão de pessoas no setor público brasileiro, a realidade é mais desafiadora. Há uma escassez significativa de dados sobre quem são as pessoas que compõem o Estado. Nos departamentos de pessoal de governos, as atividades muitas vezes são focadas na folha de pagamento, e as pessoas são frequentemente reduzidas a um número de matrícula. Conhecemos pouco sobre as características desses indivíduos, suas necessidades e como podem cada vez mais contribuir com a geração de valor público.  

Embora o Governo Federal tenha feito progressos nesse campo, há uma necessidade urgente de expansão desses esforços nos níveis estadual e municipal. É fundamental avançar para uma compreensão mais profunda e multidimensional dos indivíduos que compõem a Administração Pública, pois são essas pessoas que têm o maior potencial de gerar resultados que de fato impactem positivamente a vida dos cidadãos.  

Precisamos ir além da visão unidimensional e adotar uma abordagem pluridimensional que nos permita entender quem são essas pessoas, como são, em que condições se encontram, quais são suas necessidades, aspirações e contribuições. Ter evidências sobre essas questões é fundamental para a gestão efetiva e estratégica de pessoas no setor público. 

Dados permitem traçar perfil dos servidores e outras informações relevantes para gestão de pessoas

Exemplos de dados que podem ser coletados, analisados e utilizados para a tomada de decisão sobre a gestão de pessoas nas organizações públicas são informações sobre o perfil dos servidores, lideranças e demais colaboradores públicos, tais como formação acadêmica, competências profissionais, forma de ingresso no cargo (concurso público, pré-seleção ou livre nomeação) e dados sociodemográficos (idade, raça, etnia, identidade de gênero, orientação sexual e deficiência).  

Atrelados a outras informações da gestão de pessoas, tais como o perfil da vaga ocupada, tamanho da forma de trabalho, planos de desenvolvimento, programas de reconhecimento, avaliações de desempenho, orçamento e despesa com pessoal, pesquisas de satisfação, clima e cultura organizacional, registros de aposentadoria e mudanças de carreira e detalhes sobre cargos de confiança, cargos temporários e cargos em extinção, podem trazer análises e conclusões significativas para a criação de uma agenda de melhorias da gestão de pessoas nas organizações públicas e a melhoria da tomada de decisão sobre pessoal.  

Precisamos compreender lideranças, equipes de trabalho, servidores comissionados e efetivos e reconhecer suas particularidades. Somente assim poderemos desenvolver políticas de gestão de pessoas que sejam verdadeiramente orientadas para as necessidades e o desenvolvimento dessas pessoas, permitindo que elas, por sua vez, gerem resultados que impactem positivamente a sociedade brasileira.   

Além disso, pautando-se pelo princípio da publicidade, as organizações públicas devem ser transparentes e disponibilizar os dados aos diversos grupos que compõem a sociedade para que possam conhecer os servidores que atuam na realização das mais diversas atividades públicas e contribuir com o debate em prol de melhorias na gestão desses servidores. Esses dados também podem ser utilizados para a geração de estudos e avanços na área de gestão de pessoas.  

Para uma transição da visão unidimensional para a pluridimensional do uso estratégico de dados na gestão de pessoas no setor público, é imprescindível a implementação de uma robusta estrutura de governança de dados. Há diversas boas práticas disponíveis, como o DAMA (Data Management Association), entre outros frameworks internacionais de referência.  

O que é e para que serve a governança de dados 

A governança de dados é o conjunto de práticas de uma organização, expressas por meio de processos, normas, políticas e estruturas para organizar o uso e fazer o controle adequado dos dados que possui. É a governança que garante qualidade, segurança e gestão eficiente dos dados. Trata-se de planejamento, monitoramento e verificação do uso de dados nas organizações1.  

Por meio dela, é possível definir papeis, procedimentos, mecanismos e operações apropriados para que se obtenha dados confiáveis e para que se gere segurança, tanto para os titulares de dados pessoais quanto para a organização. As práticas definidas auxiliam na minimização de consequências adversas advindas do uso de dados e auxilia a obter clareza sobre a responsabilidade e responsabilização pela proteção e uso de dados2.  

Ao lidar com dados, as organizações devem definir uma estrutura de governança que atuem em avaliar o uso atual de dados e as possibilidades de usos futuros, atuem em elaborar e implementar estratégias e políticas que atendam aos objetivos das organizações e as obrigações externas existentes, e atuem também em observar a conformidade da organização com as políticas internas e obrigações externas, assim como o desempenho do uso de dados com relação aos objetivos organizacionais.   

Essa governança deve estar presente em todas as atividades em que a organização lida com dados: coleta, armazenamento, tratamento, análise, geração de produtos de dados, divulgação e uso para a tomada de decisão e descarte desses dados. E pode contar também com mecanismos de supervisão, tais como comitês e auditorias, para auxiliar na garantia do cumprimento das normas e recomendações definidas. Nesse contexto, é imprescindível que todos os atores envolvidos com dados, principalmente os envolvidos nos mecanismos de supervisão, conheçam claramente a importância dos dados para a organização, os usos que eles têm interna e externamente e qual tipo de restrições e limites legais estão associadas.  

Governança de dados possibilita estratégia de gestão de pessoas

Por meio de uma boa governança de dados, as organizações públicas estarão melhor preparadas para utilizar dados de maneira estratégica na gestão de pessoas, com segurança para todos os envolvidos e possibilidade de que as decisões sobre pessoal sejam mais assertivas ao se basearem em evidências.  

No entanto, a governança de dados é apenas o primeiro passo. Para que seja possível fazer o uso de dados para uma gestão estratégica de pessoas, é necessário possuir dados disponíveis, o que envolve coletas e análise dessas informações para geração de insights relevantes à tomada de decisão sobre pessoal. Para isso, identificar os possíveis usos desses dados na organização e a necessidade de informação dos principais atores que os utilizarão é algo importante, que deve ser realizado. Por meio do uso dos dados e informações geradas, decisões sobre pessoal podem ser tomadas com base em evidências e agendas de melhoria podem ser estruturadas para aprimorar cada vez mais a gestão de pessoas e os serviços prestados pelas organizações públicas.  

Também é necessário se atentar aos demais aspectos que impactam essa utilização de dados: todo o trabalho realizado precisa estar de acordo com a legislação vigente, principalmente LGPD; os servidores que irão trabalhar na coleta, análise e disponibilização desses dados precisar possuir as ferramentas e as competências necessárias, o que pode significar a necessidade de possuir recursos disponíveis e a realização de capacitações.  

Para avançarmos nessa direção, o compromisso político definitivo se torna a base, junto ao envolvimento das equipes técnicas e a definição e uma governança de dados sólida. Assim, avança-se na construção de organizações públicas que podem implementar novas estratégias de gestão de pessoas com base em dados e evidências. É o único caminho para podermos gerir melhor as pessoas, criar políticas de gestão de pessoas mais efetivas e, consequentemente, gerar um impacto positivo para as pessoas que compõem a sociedade de nosso país.

Referências bibliográficas

1 INTERNATIONAL, DAMA. DAMA-DMBOK: Data Management Body of Knowledge. 2. ed. Technics publications, 2017.
2 ABNT NBR ISO/IEC 38505-1:2020

João Paulo Mota: Administrador pela UnB, MBA em Administração Estratégica pela FGV, Mestre em Engenharia pela UnB e Doutor em Administração pela Université de Bordeaux (tese entregue e aceita). Tem formação executiva em Gestão para Resultados pela Harvard University Kennedy School of Government e em Avaliação de Performance pela Georgetown University. Já participou, como consultor e coordenador, de mais de 90 projetos de consultoria em gestão para resultados para o setor público e organismos internacionais. Professor convidado da Enap, FDC, Ibmec e IDP. Ministrou mais de 100 cursos de formação executiva em temas relacionados à gestão para resultados (Governança, Indicadores de Performance, Gestão de Processo e Projetos, e Monitoramento & Avaliação, Inovação, Data Analytics e Transformação Digital). É autor ou coautor de mais de 40 publicações, no Brasil e exterior, envolvendo artigos e capítulos de livros. É certificado SPM® em Gestão Estratégica de Performance pelo Núcleo de Performance da Rutgers University. Ministra cursos e palestras sobre gestão em eventos acadêmicos e profissionais. É diretor do Instituto Publix.

Euciana Amanda de Azevedo Ferreira: Administradora formada pela Universidade de Brasília. Atuou como membro do grupo de pesquisa de Inovare da Universidade de Brasília, desenvolvendo pesquisas sobre gestão da mudança em organizações públicas e privadas. Também realizou pesquisas sobre o papel de inovações dos meios de pagamento no aumento da inclusão financeira no Brasil. É consultora no Instituto Publix.

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