Cada vez mais, tem se consolidado no debate sobre Gestão de Pessoas no Setor Público (GPSP) a necessidade de profissionalização dos(as) servidores(as) e das organizações em si. Essa profissionalização não é possível sem a criação de ambientes acolhedores, inclusivos, diversos e plurais: ambientes nos quais os(as) servidores(as) tenham liberdade para se expressar; se sintam, independentemente de gênero, religião, opiniões pessoais e características físicas, acolhidos e respeitados; e nos quais a adulação não precise ser um instrumento para o desenvolvimento na carreira.
Desse modo, as pessoas poderão se sentir à vontade para, sempre com respeito, exercerem suas funções e se posicionarem como servidores públicos, e não como serviçais subservientes ao poder. Por outro lado, é importante que não ajam como detentores de verdades únicas, absolutas e preconcebidas, mas sejam tratadas com igual respeito e humildade por superiores hierárquicos, colegas e equipes.
Felizmente, os debates sobre temas que pavimentam a construção de organizações mais saudáveis estão a pleno vapor, em especial na agenda de GPSP. Por exemplo, a necessidade de mudanças nas formas de realização dos concursos, de modo a tornar o ingresso no serviço público menos elitista e mais representativo da nossa sociedade, já foi abordada no República.org e em outros respeitados veículos de comunicação por nomes como Diogo Lima, Francisco Gaetani e Vera Monteiro.
Além disso, a necessidade de criação de ambientes acolhedores, livres de qualquer tipo de assédio, que ofereçam segurança psicológica e proporcionem segurança criativa, constou na fala da Secretária Executiva do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Cristina Mori, durante o Encontro Nacional de Gestão de Pessoas do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (SIPEC), realizado no último mês de junho. O mesmo tópico também foi abordado no artigo O longo caminho das mulheres no serviço público, da Analista de Planejamento e Orçamento Clara Marinho, publicado em 8 de julho pela Folha de S. Paulo. Ainda em 2022, o LA-BORA! gov, sob a coordenação da vencedora do Prêmio Espírito Público 2021, Luana Faria, promoveu uma enriquecedora oficina com o tema “Segurança Psicológica no Trabalho e Confiança Criativa”, que contou com a participação deste autor. A íntegra do evento está disponível no YouTube.
Quem nunca ouviu a expressão “fulano é um ‘babaca’ com as pessoas, mas é um bom técnico, por isso está nessa função”? O serviço público que a sociedade brasileira exige, entretanto, não comporta mais esse tipo de postura. É preciso lembrar que, no caso do serviço público federal, a Lei nº 8.112/1990 e o Código de Ética aprovado pelo Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994, em conjunto com um rol extenso de outras leis e orientações normativas que exigem do(a) servidor(a) uma conduta digna e urbanidade na atuação diante dos cidadãos e de suas relações interpessoais no trabalho. Essa responsabilidade é redobrada quando o(a) servidor(a) está em posição de liderança.
É claro que sabemos que há organizações públicas de excelência, que contam com reputação e clima organizacional dos mais elevados, bem como programas de desenvolvimento gerencial sólidos. Entretanto, por meio de relatos de servidores e de pesquisas acadêmicas sobre o tema, constata-se ainda haver diversas organizações que precisam melhorar sensivelmente a qualidade do seu ambiente de trabalho.
As demandas atuais da nossa sociedade exigem profissionais públicos(as) que respeitem não somente o trabalho, mas, acima de tudo, os aspectos humanos envolvidos nessa relação nos diversos papéis em que o(a) servidor(a) pode se enxergar: seja na condição de prestador direto de um serviço à população, seja como líder de uma equipe ou membro dela. Qualquer que seja o papel, dois ingredientes não podem faltar: profissionalismo e respeito.
Dessa forma, desrespeitos e perseguições pessoais de qualquer natureza devem ser combatidos com veemência no serviço público, de modo que os agentes públicos possam ter tranquilidade em seu ambiente de trabalho para exercer na plenitude as suas funções e, principalmente, paz de espírito em seu convívio pessoal ou familiar. Organizações que não criam ambientes saudáveis acarretam danos à saúde dos indivíduos que a integram, e isso acaba por afetar suas relações familiares e adoecer também seus entes queridos, gerando uma espiral de danos de difícil reversão.
Apesar de essa reflexão ter o setor público como foco, ela também é extensiva às organizações privadas. Tendo em vista o elevado volume de ações judiciais tratado anualmente pela Justiça do Trabalho e as cotidianas operações de auditores fiscais do trabalho na defesa de condições dignas de trabalho por todo o Brasil, é possível concluir que há ainda uma longa caminhada a ser trilhada pelos setores público e privado no sentido de proporcionarem ambientes laborais acolhedores como uma regra geral.
Problemas como assédio moral e sexual, ausência de ambientes acolhedores a mulheres, pessoas negras, comunidade LGBTQIAP+ ou a quaisquer colegas que manifestam opiniões enxergadas por algum grupo como diferentes são ainda desafios a serem enfrentados por diversas organizações. Contudo, a consolidação, com força e tenacidade, dessas pautas na agenda pública, capitaneada por pessoas e instituições formadoras de opinião em temas como gestão de pessoas, compliance, responsabilidade social e ESG (Environmental, Social and Corporate Governance), é positiva e deve ser celebrada. Melhor ainda será celebrarmos, oxalá em curto espaço de tempo, as conquistas efetivas em termos de melhoria dos ambientes de trabalho que esse protagonismo no debate terá sido capaz de implementar.
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