Mulheres enfrentam desigualdades em promoção e salários, apesar de serem maioria; entenda os desafios e as soluções para mudar essa realidade

Por Célia Costa — Especial para República.org

Barreiras, dificuldades e obstáculos são sinônimos que fazem parte do vocabulário de mulheres que veem as chances de ascender profissionalmente e de conquistar cargos de liderança bastante reduzidas no serviço público. Isso acontece e tem nome: “teto de vidro”.

A expressão (glass ceiling, em inglês) surgiu nos Estados Unidos no final da década de 1970, mas a sua aplicação é mais do que atual. O termo se refere ao fato de que, independentemente de suas qualificações, as mulheres enfrentam uma velocidade muito menor que a dos homens para chegar a postos de liderança. Essa desigualdade resulta em sub-representação nos cargos de comando e também tem forte impacto na questão salarial.

Mulheres são maioria na população brasileira e no serviço público

Elas correspondem a 51% da população e a 61% dos vínculos públicos civis, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc), de 2022, que integram o estudo “Burocracia representativa e as desigualdades salariais de mulheres no Brasil e no mundo: o teto de vidro no funcionalismo público”, elaborado pela República.org.

O setor público brasileiro, diferentemente do setor privado, tem predominância feminina. No entanto, a razão salarial de mulheres em relação a homens é de 0,72, o que significa dizer que o salário médio de mulheres no setor público equivale a 72% do salário médio de homens.

Como aponta a doutora em ciência política Gabriela Lotta, professora e pesquisadora de Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), há um ciclo vicioso dentro da administração pública.

“Mulheres em geral entram em carreiras com remuneração menor, geralmente ligadas às profissões do cuidado, como professoras, assistentes sociais e profissões da Saúde. Nestas profissões, além de salários mais baixos, os vínculos em geral são mais precarizados e as carreiras promovem menor ascensão a cargos de poder. E, sem mulheres em cargos de liderança, há poucas pressões internas para mudar este cenário”, afirma Lotta, que também é vice-presidente do conselho da República.org.

O “teto de vidro” persiste como um desafio para a ascensão das mulheres a cargos de liderança, mesmo com os avanços em direção à equidade de gênero. No serviço público, essa realidade se manifesta de várias maneiras, como a sub-representação feminina em cargos de chefia.

A forma de ingresso no serviço público é democrática porque há concurso, mas diferenças entre gêneros vão sendo reforçadas ao longo do ciclo laboral.

Vanessa Campagnac, gerente de Dados e Comunicação da República.org

“Há a menor participação feminina em cargos de secretarias de governo, quando comparado a homens líderes de pastas setoriais. Lembrando que hoje a forma de ingresso no serviço público é democrática porque há concurso, mas essas diferenças entre gêneros vão sendo reforçadas ao longo do ciclo laboral desse corpo de servidores e servidoras”, explica Vanessa Campagnac, doutora em ciência política e gerente de Dados e Comunicação da República.org.

Um levantamento realizado em 2003 pelo Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa (Gemaa) mostrou que a presença de mulheres nos cargos no secretariado dos governos federais é de apenas 29,7%, enquanto o percentual de homens é 70,3%. O Gemaa é um núcleo de pesquisa do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Maternidade também é um obstáculo

A maternidade pode ser determinante para o “teto de vidro”. Empecilhos baseados em estereótipos e discriminação são obstáculos enfrentados pelas mulheres na maternidade. A crença é de que as mulheres serão improdutivas ou não darão prioridade ao trabalho devido ao cuidado com os filhos. Em algumas situações, após terem filhos, mulheres reclamam de passarem a ser vistas apenas como mãe.

“Essas pausas podem afetar negativamente a progressão salarial de mulheres, especialmente se não houver políticas de compensação adequada. Quando os critérios não são claros, as decisões podem ser subjetivas e enviesadas. Mesmo com maior capacitação e escolaridade, mulheres podem não ser reconhecidas em processos com pouca transparência, o que aponta para a necessidade de o país continuar trabalhando para eliminar essas desigualdades e promover um ambiente mais justo e igualitário no serviço público”, conclui Vanessa Campagnac.

Mulheres negras são as mais atingidas pelo “teto de vidro”

Apesar de representarem a maioria no funcionalismo, as mulheres ainda ocupam posições de menor remuneração, prestígio e de posição hierárquica. A média salarial de homens é 37% maior do que a de mulheres no serviço público civil.

No Brasil, as mulheres negras são as mais atingidas pelo “teto de vidro”. A diferença, aqui, fica ainda maior: homens brancos têm média salarial 94% maior que a média de mulheres negras (pretas e pardas).

As profissionais são absorvidas pelo mercado de trabalho (público ou privado), mas não ascendem aos postos mais altos de liderança por conta de mecanismos de segregação, como, por exemplo, o racismo estrutural e o machismo.

O estudo elaborado pela República.org revela ainda que mulheres negras são maioria no serviço público municipal (34,7% dos vínculos), seguidas por mulheres brancas (29,5%) e homens negros (21,4%). O percentual maior, no entanto, se inverte se levarmos em conta os cargos de direção e gerência no nível municipal, em que as mulheres negras correspondem a apenas 22,9% das gestoras, enquanto os homens negros são 77,1% do total.

Mulheres também são maioria no serviço público estadual. O percentual de mulheres brancas é de 30,3% e de mulheres negras, 28,6%. Já os homens brancos correspondem a 20,9% e os homens negros, 19,1%.

Mulheres em geral entram [no serviço público] em carreiras com remuneração menor, geralmente ligadas às profissões do cuidado, como professoras, assistentes sociais e profissões da Saúde.

Gabriela Lotta, professora da FGV e vice-presidente do conselho da República.org

Na esfera federal, os homens brancos são maioria, com presença de 32,6%, enquanto as mulheres brancas são 27%. Os homens negros são 22% e as mulheres negras representam 16,1%.

Brasil está na pior posição de mulheres em cargos de liderança

O Brasil ficou na pior posição de porcentagem de mulheres em cargos de liderança, comparando países da América Latina e caribenhos, conforme um estudo publicado pela República.org.

Em um relatório do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), de 2022, consta a seguinte avaliação: “evidências empíricas indicam uma correlação positiva entre mais mulheres em cargos de decisão pública e maior crescimento econômico, igualdade de gênero e maiores investimentos sociais em educação, saúde e proteção ambiental. Há também um impacto positivo da presença das mulheres no desempenho das organizações públicas e na diminuição dos níveis de corrupção”.

Dados que constam do estudo feito por Worldwide Bureaucracy Indicators (WWBI), de 2021, mostram que o Brasil possui a pior razão salarial entre homens e mulheres no setor público. Além dele, apenas França e Chile têm razão salarial entre os gêneros mais igualitária no setor privado que no público.

Países da América Latina, como Colômbia, Uruguai, México e Argentina, estão no topo dessa lista. As maiores diferenças das razões entre os setores público e privado estão no Uruguai, com uma diferença de 0,21 entre um e outro, e na Argentina, com uma diferença de 0,18.

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