Os marcos da transformação digital na maior capital do Brasil comprovam como a tecnologia está colaborando para a oferta de serviços mais eficientes ao cidadão

Índice
Burocracia excessiva: perda de tempo e dinheiro
Pessoas, processos e tecnologia transformando governos
Cidades que se destacam têm um ponto em comum
Os marcos da transformação digital na maior cidade da América Latina

Há tempos a burocracia assombra qualquer tipo de serviço no Brasil, especialmente na esfera pública. O termo virou sinônimo de ineficiência ou demora. O conceito nos remete, em geral, a algo incômodo. 

Com o avanço das tecnologias no setor privado, essa percepção se torna mais  evidente na seara pública. O difícil acesso a serviços simples e a complexidade para resolução de problemas incomodam o cidadão, que está cada vez mais inserido no mundo digital.  

A burocracia, essencialmente, não é algo ruim, como sugere o sociólogo alemão Max Weber. Trata-se de uma forma particular de organizar as atividades, de modo que não haja espaço para preconceitos ou paternalismo, assegurando que as regras são claras e devem ser cumpridas por agentes de forma objetiva.

Pela perspectiva de Weber, o que a maioria das pessoas chama de burocracia é, na verdade, um conjunto de “disfunções burocráticas” que impactam negativamente a vida de empresas e indivíduos.

A questão é: por que combater as disfunções burocráticas ou a burocracia excessiva no setor público é tão complicado? Como é possível revisar, modernizar e simplificar os aparatos, procedimentos e processos administrativos redundantes e desnecessários?

Burocracia excessiva: perda de tempo e dinheiro

O Brasil está entre os países que estão acima da média do tempo necessário para a realização do trâmite burocrático. A média no país é de 5,5 horas, superior à da Venezuela (5,3 horas), e o brasileiro precisa ir mais vezes ao órgão público para fazer um procedimento burocrático.

A burocracia, antes tida como elemento organizador do serviço público, se perdeu no excesso, criando rotinas longas, tramitações intermináveis, vários níveis de responsabilidades e o pensamento de que o serviço público é moroso por natureza.

Hoje, ela representa um entrave ao andamento dos processos e, muitas vezes, atrapalha a entrega dos serviços ao contribuinte, frustrando os servidores e prejudicando os cidadãos. Isso se deve especialmente a alguns fatores:

  • excesso de demanda junto ao órgão público;
  • sistemas obsoletos e metodologias anacrônicas;
  • servidores não capacitados para lidar com os processos;
  • processos realizados de forma física, manual e presencial.

A última pesquisa realizada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) mostrou que, na América Latina, há uma grande perda de tempo, dinheiro e produtividade por conta da burocracia.

Nos países que compõem a região, a média para um único procedimento é de 5,4 horas, mas algumas nações podem ter atendimentos que demoram mais de 11 horas.

Se fossem digitalizados e não presenciais, os trâmites em órgãos públicos demorariam 74% menos tempo e com um custo muito menor do que o modelo tradicional de atendimento.

O Brasil está entre os países que estão acima da média do tempo necessário para a realização do trâmite burocrático. A média no país é de 5,5 horas, superior à da Venezuela (5,3 horas), e o brasileiro precisa ir mais vezes ao órgão público para fazer um procedimento burocrático. 

Além de redução de custos, a pesquisa demonstrou que a digitalização de processos também diminuiria os índices de corrupção. 

É possível combater o excesso de burocracia no Brasil?

Um estudo do CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina) aponta que, desde a Constituição de 1988, o Governo Federal vem descentralizando a responsabilidade e a capacidade fiscal para a esfera municipal.

Só no Brasil, são 5.570 municípios distribuídos em unidades federativas que, em sua maioria, têm enfrentado sérias dificuldades financeiras e de entrega de qualidade nos serviços à população.

O estudo mostra, ainda, que os governos municipais podem, através da utilização de tecnologia e parceria com empresas que oferecem soluções tecnológicas para órgãos governamentais, facilitar o dia a dia do cidadão e agilizar o trabalho de gestores e servidores públicos.

Outras pesquisas realizadas pelo CAF indicam que as soluções tecnológicas são positivas, com impactos comprovados mesmo em municípios de pequeno porte que possuem menor volume de processos.

Para Décio Luiz Pinheiro Pradella, pesquisador da Universidade São Francisco e membro da Fundação Clara Assis (Funclar), de São Paulo, a informatização dos procedimentos do serviço público é uma premissa fundamental, que ainda está longe de atingir seu ápice.

Ele aponta que, com soluções inteligentes e ferramentas de acessibilidade, gestores públicos podem desburocratizar processos nos municípios e proporcionar uma gestão democrática e mais simples.

Pradella — que também atua como consultor em prefeituras para simplificação de procedimentos de licenciamento edilício e urbanístico — revela que tem verificado, em suas visitas, a existência de municípios que não possuem sequer controle de processos informatizados.

O ponto positivo é que já se reconhece a necessidade de evolução para um cenário digital: “Acredito que, com a ajuda de canais de financiamento, assim como para contratos de consultorias, não haveria tanta dificuldade para a modernização de processos”, ressalta.

Sobre trocar métodos conservadores e processos obsoletos por ferramentas tecnológicas e mais eficientes, Pradella afirma que a economia de recursos, decisões assertivas e melhoria na qualidade dos serviços não são os únicos resultados da transformação digital. Ele destaca também:

  • Inteligência de dados: fornece informação de boa qualidade, permitindo que a prefeitura decida de forma mais eficiente a aplicação dos recursos e a resolução de problemas;
  • Eficiência no uso de recursos: reduz custos e prazos de execução dos serviços, bem como minimiza o desperdício de tempo, o emprego excessivo de servidores em tarefas administrativas, os gastos com processamentos manuais e os controles falhos;
  • Transparência: facilita o acompanhamento pela população do andamento de processos administrativos e da execução orçamentária;
  • Valorização do funcionalismo público: diminui a atuação em tarefas desgastantes e repetitivas, direcionando o servidor para ações mais importantes e estratégicas.

Pessoas, processos e tecnologia transformando governos

Para o presidente do Comitê de Desburocratização do Sinduscon Paraná Oeste (Sindicato da Indústria da Construção Civil), Marco Antonio Zanatta, é essencial oferecer serviços públicos tão eficientes quanto outros serviços digitais.

“Ao analisar pelo viés da cidadania, colocando como uma prioridade para gestores que zelam pela dignidade e qualidade no atendimento, abre-se uma oportunidade de atender os verdadeiros anseios do cidadão sem que a racionalidade ou as normas sejam desrespeitadas”, destaca.

Autoridade no mercado de tecnologias para gestão pública, Zanatta lembra que a digitalização de serviços municipais também ajuda as prefeituras a economizarem, porque reduz o consumo de papel e de inúmeros insumos. Além disso, automatiza atividades administrativas e repetitivas que podem ser facilmente assumidas pela tecnologia.

A digitalização, para ele, é um caminho sem volta, mas não se trata apenas de migrar serviços manuais e analógicos do papel para o digital, mas de proporcionar algo melhor, mais prático e ágil: “Além de comodidade e agilidade para o cidadão, essa transformação também agrega valor à gestão. Uma cidade digital, inteligente e eficiente é construída por decisões focadas em pessoas, processos e tecnologia”, pontua.

Cidades que se destacam têm um ponto em comum

Muitos municípios estão buscando alternativas tecnológicas para a desburocratização dos serviços públicos e têm tomado como referência as cidades que, com frequência, são reconhecidas ou se destacam em rankings e pesquisas.

Três cidades de Santa Catarina, por exemplo, colocam o estado catarinense como o quarto mais rico do Brasil, com PIB de R$ 323,3 bilhões, segundo o último levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Entre os diversos fatores que colocam Joinville, Itajaí e Florianópolis no ranking das cidades com os maiores PIBs de Santa Catarina e também do Brasil, o investimento em tecnologia é um ponto em comum.

Para o secretário-adjunto de Desenvolvimento Econômico Sustentável de Santa Catarina, Jairo Luiz Sartoretto, a administração inovadora e as tecnologias utilizadas pelos gestores são cruciais.

“A exemplo do que países desenvolvidos já fazem há anos, os municípios catarinenses vêm apostando em tecnologia e inovação para avançar na solução de problemas, muitas vezes de uma forma econômica e ágil, que já reflete nos números da economia do estado evidenciados pelo PIB”, destaca.

Em Itajaí, com a implementação do sistema para prefeituras, a cidade conseguiu acelerar a abertura de empresas. O município investiu em tecnologia para se manter entre as 35 maiores economias do país, reduzindo de 60 dias para 24 horas o prazo de emissão de alvarás de funcionamento.

A prefeitura também digitalizou os serviços relacionados ao planejamento urbano, como aprovação de projetos, habite-se, entre outros, reduzindo pela metade o tempo de espera para a emissão de alvarás de construção, além de realizar análises instantâneas para licenças ambientais.

Os marcos da transformação digital na maior cidade da América Latina

São Paulo, a maior cidade da América Latina, também apostou na modernização para se tornar referência entre as cidades mais eficientes do país.

A mesma tecnologia implantada nas cidades catarinenses começou a ser utilizada em São Paulo, há dois anos, como nova porta de entrada dos processos eletrônicos da Secretaria de Urbanismo e Licenciamento.

Vale dizer que a tecnologia sempre esteve em pauta para melhorar os serviços na cidade. De acordo com o coordenador do Sistema de Infraestrutura Tecnológica, Hélio Freitas Filho, ainda em 1992, ocorreu o primeiro salto da rede municipal de informática, que teve como projeto piloto um sistema para unir administração geral e subprefeituras. 

Cinco anos depois, foi possível interligar as primeiras quatro subprefeituras, fornecendo acesso aos munícipes de forma online a partir de 2002. 

Outro grande marco dessa transformação aconteceu em 2012, com a implantação do sistema de licenciamento de construção eletrônica. Esse foi o primeiro sistema capaz de “conversar” com vários bancos de dados e outros sistemas das subprefeituras.

Em 2015, o sistema eletrônico de comunicação fornecido pelo Governo Federal foi o destaque da época. 

A atualização mais recente se deu em 2020, com a implantação da Aprova Digital, que, além de digitalizar os processos, se integra a outros sistemas e automatiza várias etapas do atendimento. Outra vantagem foi a padronização da leitura de leis e análises nas cidades da Grande São Paulo. 

Atualmente, São Paulo conta com 32 subprefeituras integradas e 900 servidores trabalhando online e simultaneamente na análise de mais de dois mil processos diariamente. 

Os projetos de obras, que demoravam quase um ano para serem aprovados, agora são atendidos em pouco mais de dois meses, o que corresponde a uma redução de quase 80% no prazo de atendimento ao cidadão.

Trazer agilidade ao atendimento sempre foi importante nessa jornada, pois a comunicação entre as subprefeituras era muito lenta. Contudo, a prioridade era garantir segurança aos documentos físicos.

Segundo Freitas Filho, mesmo com todo o cuidado dos profissionais em resguardar a documentação nas prefeituras, a ocorrência sucessiva de catástrofes naturais impulsionou ainda mais a transformação digital de São Paulo. 

“O sistema digital permite fazer padronização para que todos os processos tenham a mesma leitura da lei e padrão de análise, o que dá segurança ao munícipe. A ferramenta possibilita o gerenciamento dos dados por parte dos servidores operacionais, que conseguem fazer melhor planejamento internamente”, detalha.A tecnologia é uma aliada importante nesse processo, mas, para Zanatta, “somente com o engajamento das pessoas — o capital mais valioso dessa jornada —, será possível reduzir a entropia dos processos para o gestor público desatar outros nós, muito mais importantes para o governo e o cidadão”.

Fontes

Marco Antonio Zanatta

Arquiteto, fundador e CEO da Aprova Digital, uma suíte de soluções para órgãos públicos. Lidera uma equipe com mais de 80 colaboradores, que ampliou a eficiência governamental e já ancorou a economia de R$ 50 milhões dos cofres públicos em 70 cidades brasileiras. UX, especialista em Processos Industriais e Regulamentos, gerencia Estratégia, Vendas e Relações com Investidores. Atualmente é presidente do Comitê de Desburocratização do Sinduscon Paraná Oeste e atuou como arquiteto Sênior na Aba Arquitetura e Construções por quase cinco anos. Possui MBA em Construções Sustentáveis, Ciência e Tecnologia da Arquitetura na Universidade Cidade de São Paulo, foi aluno no programa de extensão em Arquitetura da Temple University na Filadélfia e graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade Assis Gurgacz, em Cascavel (PR).

Décio Luiz Pinheiro Pradella

Professor e pesquisador da Universidade São Francisco (USF), de São Paulo, e membro da Fundação Clara Assis (Funclar). Tem experiência em gestão pública e atua como consultor nas áreas da Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Planos, Programas e Projetos, especialmente em elaboração e revisão de Planos Diretores e Planos de Habitação de Interesse Social. Mestre em Urbanismo e especialista em Desenho e Gestão do Território Municipal

Jairo Luiz Sartoretto

Secretário-adjunto de Desenvolvimento Econômico Sustentável de Santa Catarina, empresário e graduado em Ciências Contábeis pela Fundação Universitária de Desenvolvimento do Oeste (Fundeste), em Chapecó (SC). Prefeito por quatro mandatos e um mandato como vice-prefeito no município de Itá (SC). Secretário Regional da extinta Secretaria de Desenvolvimento Regional de Seara (SC).

Hélio Freitas Filho

Coordenador do Sistema de Infraestrutura Tecnológica da Prefeitura de São Paulo. Supervisor de Licenciamento Eletrônico e Análise de Dados (STEL) da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento.

Esta nota é de responsabilidade dos respectivos autores e não traduz necessariamente a opinião da República.org nem das instituições às quais os autores estão vinculado.

Deyvid Alan da Silva de Oliveira

Especialista em modernização para gestão pública, palestrante e autor de artigos sobre transformação digital, tecnologias disruptivas, ecossistema govtech, cidades inteligentes, negócios e startups. Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná; especialista em Assessoria de Comunicação e Marketing; Gestão e Docência na Educação a Distância; Docência do Ensino Superior e graduado em Comunicação Social com ênfase em Jornalismo.

Ana Karla Martins

Jornalista do ecossistema de startups e criadora de conteúdos multicanal sobre inovação, negócios do futuro e sétima arte. Graduada em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, no Paraná, com 20 anos de vivência em veículos de comunicação on e offline.

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