Resumo:
O setor público federal brasileiro enfrenta um desafio crítico nas próximas décadas: a aposentadoria massiva de servidores. Até 2074, quase 80% da força de trabalho atual estará apta a se aposentar, impactando áreas essenciais, como saúde, educação e segurança pública. A falta de reposição adequada, somada à ausência de concursos públicos regulares nos últimos anos, intensifica esse cenário. Neste artigo, analisamos as projeções do Observatório de Pessoal e as estratégias necessárias para garantir a continuidade e modernização dos serviços públicos.
Índice
O planejamento estratégico da força de trabalho no setor público federal
Quase 80% dos servidores federais devem se aposentar até 2074
A falta de concursos públicos agravou o déficit de servidores
Impacto das aposentadorias por setor: quais órgãos serão mais afetados?
Concursos públicos e transformação digital: o que esperar do futuro?
O planejamento estratégico da força de trabalho no setor público federal
Tomando o ano de 2024 como base, dados do Observatório de Pessoal projetam tendências críticas para a evolução e a composição do pessoal ocupado no setor público federal brasileiro ao longo das próximas cinco décadas. Essa realidade demanda planejamento estratégico e ações coordenadas para garantir a continuidade dos serviços essenciais, como saúde, educação, proteção assistencial e ambiental, além de segurança pública.
Quase 80% dos servidores federais devem se aposentar até 2074
Entre 2024 e 2074 haverá 456.410 servidores aptos à aposentadoria. Esse quantitativo representa pelo menos 79,4% dos servidores ativos em dezembro de 2024, os quais somavam então 574.930 pessoas.1 É claro que 50 anos é mais do que o período de vida ativa de uma geração inteira de servidores públicos, mas o Gráfico 1 mostra, de forma acumulada, que a maior parte das aposentadorias acontecerão ao longo das próximas duas décadas, mais especificamente, nos anos de 2025 (com 21,7 mil servidores aptos a se aposentarem), 2034 (com mais 19 mil na mesma situação) e 2044 (com mais 17,4 mil aposentáveis), tal qual detalhado no Gráfico 2.
A falta de concursos públicos agravou o déficit de servidores
Certamente, a ausência de concursos públicos regulares nos últimos 10 anos e o contínuo recuo do Estado em suas funções primordiais até 2022, por meio de privatizações, terceirizações, descontinuidades etc., ajudam a explicar a situação. A esse quadro crítico deve-se somar a informação de que entre 2010 e 2023 houve 246 mil desligamentos por aposentadoria na Administração Pública Federal1, em todas as suas modalidades (voluntária, compulsória, por incapacidade, invalidez e outros motivos). Apenas no ano de 2019, quando foi aprovada a Reforma da Previdência do governo Bolsonaro2, aposentaram-se 38,5 mil servidores, dado que contrasta severamente com a perspectiva do governo Lula da Silva de conseguir repor cerca de 20 mil vagas no quadriênio 2023 a 2026.
Gráfico 1. Aposentadorias Previstas, cumulativamente, em números absolutos.
Brasil 2024─2074 – Administração Pública Federal: Direta, Autárquica e Fundacional

Fonte: Observatório de Pessoal, Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Secretaria de Gestão de Pessoas, Diretoria de Inteligência e Governança de Dados. Elaboração: Assessoria do Gabinete da SGP/MGI.
Gráfico 2. Aposentadorias Previstas, ano a ano, em números absolutos.
Brasil 2024─2074 – Administração Pública Federal: Direta, Autárquica e Fundacional

Fonte: Observatório de Pessoal, Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Secretaria de Gestão de Pessoas, Diretoria de Inteligência e Governança de Dados. Elaboração: Assessoria do Gabinete da SGP/MGI.
Impacto das aposentadorias por setor: quais órgãos serão mais afetados?
Todos esses dados e projeções ajudam a desmistificar a ideia de inchaço da máquina pública em âmbito federal, algo que padece de fundamentação empírica e se presta unicamente à construção de uma retórica negativista do Estado e punitivista dos servidores públicos. E tais números só não foram piores por causa do abono de permanência, que visa incentivar a permanência voluntária dos servidores aptos a se aposentarem3.
Em 2020, os servidores ativos em abono de permanência eram quase 79 mil, representando pouco mais de 13% dos trabalhadores da administração pública federal. Em um exercício de previsão do futuro, vemos que, entre 2024 e 2028, cerca de 50 mil servidores em abono de permanência terão completado 75 anos e, portanto, terão aposentadoria compulsória. A este número deve-se somar algo como 180 mil servidores da ativa aptos a se aposentar entre 2024 e 2035. Considerando o nível de escolaridade dos cargos atualmente ocupados, observa-se preponderância do nível médio e, em segundo lugar, os cargos de nível superior. Em 2035, no entanto, os servidores que atualmente ocupam cargos de nível superior serão a maioria dos futuros aposentados, como pode ser visto no Gráfico 3.
Gráfico 3. Número e percentual de servidores aposentáveis entre 2024 e 2035, por nível do cargo.
Brasil – Administração Pública Federal: Direta, Autárquica e Fundacional

Fonte: Observatório de Pessoal, Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Secretaria de Gestão de Pessoas, Diretoria de Inteligência e Governança de Dados. Elaboração: Assessoria do Gabinete da SGP/MGI.
Indo além, e atendo-se apenas às projeções para a próxima década, que concentra 60,2% do total de aposentáveis até 2074, trazemos na Tabela 1 o ranking dos 25 órgãos com os maiores percentuais de aptos à aposentadoria. As cinco primeiras posições do ranqueamento são ocupadas pelos seguintes órgãos: 1) Ministério da Saúde (MS); 2) Ministério da Fazenda (MF); 3) INSS; 4) PF; e 5) UFRJ. Ou seja: justamente aqueles que possuem as maiores participações no total de servidores ativos. Em dezembro de 2024, o MS possuía 11,0% do total de ativos; o MF, 4,0%; o INSS, 3,4%; a PF, 2,6%; e a UFRJ, 2,4%. A soma acumulada de tais participações chegava a quase 1/4 do total de ativos, marcando 23,4% em 2024.
Tabela 1. Aposentadorias Previstas entre 2024 e 2034 segundo Ranking de Órgãos
Brasil – Administração Pública Federal: Direta, Autárquica e Fundacional

Fonte: Observatório de Pessoal, Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Secretaria de Gestão de Pessoas, Diretoria de Inteligência e Governança de Dados. Elaboração: Assessoria do Gabinete da SGP/MGI.
Concursos públicos e transformação digital: o que esperar do futuro?
Ademais, avanços recentes, como a retomada de concursos públicos, a proposta de unificação de seleções e o estímulo à transformação digital dos processos internos de gestão fortalecem a capacidade do Estado de enfrentar os desafios da reposição e da qualificação da força de trabalho. A busca por uma racionalização das carreiras e a valorização de critérios como mobilidade e transversalidade também têm potencial para promover uma gestão mais eficaz e alinhada às necessidades contemporâneas do serviço público. Esses esforços apontam para um futuro em que o Estado se torna mais eficiente, ágil e adaptado às demandas da sociedade, contribuindo de forma decisiva para o fortalecimento da administração pública e da própria democracia.
Referências Bibliográficas
1 Para tal estimativa, foram excluídos do cálculo os subconjuntos de servidores transpostos dos ex-territórios, os servidores com erros e ou inconsistências cadastrais e outras inconsistências da base de dados.
2Conforme consta na recém-lançada “RGPE-Revista Gestão de Pessoas em Evidência”, volume 1 (dez 2024), da SGP/MGI: https://www.gov.br/gestao/pt-br/assuntos/noticias/2024/dezembro/mgi-lanca-revista-gestao-de-pessoas-em-evidencia-com-dados-sobre-a-administracao-publica .
3 A Proposta de Emenda à Constituição para Reforma da Previdência (PEC-287) foi apresentada, inicialmente, em dezembro de 2016, pelo governo Temer, mas teve sua tramitação suspensa em 2018, sendo retomada em 2019, já no governo Bolsonaro, ano em que foi aprovada, transformando-se na Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019. O início de sua tramitação, por suposto, já estimulou os pedidos de aposentadoria já a partir de 2017.
4 O Abono de Permanência equivale ao valor da contribuição previdenciária do servidor ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) da União, sendo pago até que o servidor complete 75 anos, que é a idade para a aposentadoria compulsória, ou até que ele requisite o benefício previdenciário.
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