Estado deve assumir a responsabilidade sobre impacto da emergência climática sobre pessoas negras e pobres

Publicado em: 13 de agosto de 2024

Índice
Crédito de carbono interessa países
O que é racismo ambiental e por que ele importa
Estados, justiça climática e meio ambiente
Pequenos grandes territórios: a importância da gestão ambiental em âmbito municipal do Rio de Janeiro
Planejamento climático na Baixada Fluminense

Muito tem se falado sobre o fim do mundo. Com os últimos acontecimentos climáticos, fomos bombardeados de informações sobre o que precede o possível final da raça humana. Diante do calor excessivo, fortes chuvas, terremotos e furacões, o questionamento feito por nós, sujeitos individuais, cotidianamente é “o que fizemos para chegar a esse ponto?”. 

As constantes mudanças climáticas revelam que negligenciamos alguns fatores por muito tempo, em grande parte devido à ganância econômica das grandes indústrias multinacionais. São fatores como a emissão de CO2 e outros gases poluentes na atmosfera, que deixam há anos o céu de São Paulo mais escuro e fazem as ruas da China serem reconhecidas em fotos pelas máscaras usadas, antes mesmo da pandemia da COVID.

Nos últimos anos, no entanto, começamos a ter as primeiras movimentações de preocupação com a saúde do nosso planeta. A  Conferência de Estocolmo, ocorrida em 1972, estabeleceu 26 princípios de cuidado e sustentabilidade com o meio ambiente, responsabilizando cada país por seu desgaste ou melhoria verde em seu território. Houve outras conferências, mas tudo se intensifica no Acordo de Kyoto, assinado em 1997: foi quando começamos a ouvir mais os questionamentos dos países em desenvolvimento – ponto importante para nossa discussão. Além disso, o tratado criou a possibilidade do crédito de carbono, que é gerado a cada tonelada de CO2 que se deixa de emitir por meio de iniciativas verdes e redução de produção, entre outras. Finalizamos com a COP21, que é popularmente conhecida como o Acordo de Paris, que pactuou com 195 países o acordo de reduzir a emissão de gases do efeito estufa. 

Crédito de carbono interessa países

O crédito de carbono vai ser de grande interesse aos países, pois pode ser comercializado, além de carregar consigo um prestígio em função dos acordos sobre o Meio Ambiente. Os países desenvolvidos, que possuem grandes indústrias, emitiam até pouco tempo um alto nível de CO2. Entretanto, nos últimos anos, podemos perceber a diminuição da emissão deles e o crescimento em países em desenvolvimento. De acordo com estudo realizado pela Climate Watch1, a Índia foi do sétimo ao primeiro lugar em emissões de CO2 em 166 anos.

Esse fenômeno, que é chamado de “fuga de carbono”2, estabelece alguns comportamentos sociopolíticos, como o deslocamento das indústrias de países desenvolvidos para países em desenvolvimento, já que, majoritariamente, eles possuem uma política de preservação climática menos rígida. O fenômeno gera uma perda de competitividade mercantil de países com políticas mais rígidas, devido às taxações e aos custos mais altos da produção verde. Portanto, a emissão de CO2 não está sendo reduzida, apenas transportada. 

Sem a redução efetiva – já que países desenvolvidos estão delegando a emissão a países em desenvolvimento –, a ebulição global e os efeitos das mudanças climáticas e aquecimento global estão longe de serem combatidos. Segundo, António Guterres, secretário-geral da ONU em um pronunciamento em Nova York, em 2023, a terra  passou de aquecimento global para ebulição global. Para alguns cientistas, a forma como estamos caminhando nos levará ao pior caminho.

O que é racismo ambiental e por que ele importa 

A partir disso, nós nos deparamos com o racismo ambiental. O conceito surge da necessidade de definir como algumas pessoas, territórios e/ou nações sofrem mais com os impactos ambientais. Além disso, dialoga também com a exploração de mão de obra barata, no contexto do capitalismo global. Trago a seguir algumas reflexões cotidianas sobre o racismo ambiental:

  • Gana, na África, foi apelidado de “lixão têxtil” por se tornar local de descarte irregular de resíduos provenientes da Europa, Estados Unidos e Japão, países que mais produzem fast fashion – roupas de rápida produção e grande quantidade – no mundo (BESSER, 2021);
  • A  Digital Brazil Project do Centro Behner Stiefel de Estudos Brasileiros produziu uma matéria, em parceria com Rio on Watch3, sobre como as chuvas impactam diretamente moradores das periferias cariocas, sendo eles os maiores afetados por enchentes: segundo o Ipea (2011), 66,2% das casas em favelas são ocupadas por pessoas negras.
  • Segundo o mapa de desigualdade (2023) da Casa Fluminense, o município do Rio de Janeiro, que possui 6.211.423 de habitantes, teve, entre 2021 e 2022, 4.542 pessoas afetadas pela chuva. Enquanto isso, o município de Nova Iguaçu, que possui 785.867 habitantes, teve 964.896 pessoas afetadas pela chuva e outros municípios da baixada fluminense também, uma região majoritariamente negra – preta ou parda – de acordo com o censo de 2022 do IBGE. 

Observamos que, nos dois exemplos, contamos com uma população majoritariamente racializada. Também podemos observar os impactos para pessoas marrons nos subúrbios da Índia com as ondas de calor nos últimos anos, segundo a BBC, mas também vimos que não precisamos ir longe. O Brasil é um país em desenvolvimento que abriga consigo resultados do racismo ambiental e os impactos climáticos.

Estados, justiça climática e meio ambiente 

Os Estados têm enfrentado dificuldades com as pautas da justiça climática, como na COP26, onde Brasil, Estados Unidos e China não assinaram acordo para zerar energia à base de carvão, apesar de termos assegurado pela Constituição o direito de habitar um território seguro ambientalmente4. No entanto,  na COP28, o Brasil realizou uma reviravolta técnica e foi elogiado pelas outras nações, tecendo promessas sobre descarbonização, Além disso, apresentou dados de 8% na redução de emissões poluentes5

De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC, criado pela ONU e a Organização Meteorológica Mundial, uma das formas mais eficientes de melhoria ambiental em curto prazo é transformar o setor de energia, e a China e a Índia têm se posicionado sobre a temática. A China construiu, em 2020, em Qinghai, o maior parque solar do mundo, enquanto a Índia tem um projeto em andamento que combina energia solar, energia eólica e hidrelétrica. 

Na COP28, um dos temas mais discutidos foi acerca das energias renováveis e do fim do uso excessivo dos combustíveis fósseis, o que especialistas identificam como ponto essencial para melhora climática. 118 países, incluindo o Brasil, firmaram o acordo de aumentar suas formas de gerar energia renovável.  China e  Índia, por mais que tenham se colocado  à disposição, optaram por não assinar o acordo, administrado pela União Europeia, Estados Unidos e Emirados Árabes Unidos. 

Os acordos e a participação dos Estados são  importantes para criação de uma cultura de gestão ambiental para que seja algo implementado de forma irrevogável, pois, sem isso, teremos mais políticas descontinuadas em trocas de governo, como as ameaças sofridas no governo Bolsonaro de retirada do Brasil do Acordo de Paris.

Pequenos grandes territórios: a importância da gestão ambiental em âmbito municipal do Rio de Janeiro

A cultura de gestão ambiental não parte apenas dos acordos entre países, mas também como irá funcionar a gestão interna do meio ambiente nos entes subnacionais. Na minha passagem pelo setor público, pude identificar a dificuldade de manter a fiscalização das empresas e de outros poluentes em um território devido à baixa quantidade de profissionais. Logo, chamaram a minha atenção as estimativas, e pude identificar a hipótese que mais faz sentido na minha percepção: não contratamos servidores o suficiente para fiscalizar corretamente, delegando a responsabilidade para o indivíduo, como podemos ver cotidianamente, quando o culpamos pelo descarte incorreto, por exemplo.  Não se trata de dizer que as ações individuais não têm importância, mas sabemos que, em termos de impacto, não são os indivíduos os grandes responsáveis (percentualmente) pela situação do planeta.

Baixo número de servidores no meio ambiente atrapalha fiscalização 

Apesar da regra de ouro que permite a subsidiariedade6 aos municípios realizarem suas seleções de servidores e articularem as demandas de fiscalização, anualmente podemos observar uma queda no número de servidores ativos devido à alta demanda de pedido de aposentadorias e licenças – o que é conhecido como déficit previdenciário7. Tais cargos precisam de seleção técnica, ou seja, não é apenas a abertura de uma contratação temporária. Além disso, exigem estudo de território. De acordo com  entrevista realizada pela Agência Pública, os servidores também pontuam como carreira atrativa, o que faz muitos efetivos migrarem para outras áreas. Lembrando que, para ser um fiscal, mesmo que em âmbito municipal, é preciso ser um servidor de órgãos ambientais integrantes do Sisnama, e por muitos anos não tivemos concursos municipais nos municípios do Rio de Janeiro, território onde estive presente. 

Com a falta de mão de obra e a sobrecarga dos servidores ativos, identificamos a olho nu a falta de um serviço ativo que atinge ao todo uma população por meio da não fiscalização de grandes empresas – que é um grande problema em territórios periféricos que são utilizados como terrenos para grandes indústrias, como podemos ver nos parágrafos anteriores e também na construção e efetivação de políticas reparadoras e de contingência de crise.

Planejamento climático na Baixada Fluminense 

Meu recorte a seguir será, em específico, a Baixada Fluminense, a fim de ampliar a discussão sobre esse território. Segundo a Casa Fluminense, a Baixada Fluminense é recordista em falta de planejamento climático como território metropolitano: nem todos os municípios têm seu Plano de Saneamento Básico publicado, e a falta de transparência impede que se saiba se, de fato, esses planos existem. Além disso, 45% dos Planos Diretores estão desatualizados, sendo o mais atualizado o do município de Nova Iguaçu, de 2011.

A partir das reflexões feitas anteriormente, percebemos que, apesar de buscarmos formas, caminhamos sempre para formas de isenção de responsabilidades climáticas. Precisamos lutar pela melhoria climática em todas as esferas públicas, indo além da individualização do problema. Afinal, se o fim do mundo chegar, para quem ele chegará primeiro?

Referência Bibliográfica

1 VIGNA, Leandro; FRIEDRICH , Johannes. 9 Charts Explain Per Capita Greenhouse Gas Emissions by Country. In: World Resources Institute. [S. l.], 8 maio 2023. Disponível em: https://www.wri.org/insights/charts-explain-per-capita-greenhouse-gas-emissions. Acesso em: 24 jul. 2024.
2González, Guadalupe Arce. “Fuga de carbono, hipótese de refugio de emisiones e hipótesis alternativas. Una revisión de la literatura.” Información Comercial Española, ICE: Revista de economía 881 (2014): 167-178.
3FILHO, J. S. Em Manguinhos, Rios Negligenciados e Enchentes Cada Vez Mais Frequentes Atrapalham Projetos Sociais Essenciais, Rotinas e Vidas de Moradores. Disponível em: https://rioonwatch.org.br/?p=65284. Acesso em: 26 jul. 2024.
4Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
5TSAI, D. ET AL. Análise das emissões de gases de efeito estufa e suas implicações para as metas climáticas do Brasil. [s.l.] Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa, 2023.
6BIM, Eduardo Fortunato. Fiscalização ambiental à luz do princípio da subsidiariedade: contornos da competência comum. Revista de informação legislativa: RIL, v. 55, n. 217, p. 85-114, jan./mar. 2018. Disponível em: http://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/55/217/ril_v55_n217_p85.
7SANTOS, Reginaldo Souza et al. O déficit previdenciário no âmbito da” crise fiscal” do Estado Brasileiro. 2005.

Gabriela Nascimento: Graduanda em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Atuou durante 2 anos no serviço público municipal no setor de planejamento, como Analista de Dados e Projetos, nas áreas de Meio Ambiente e Urbanismo na Prefeitura Municipal de Mesquita. Pesquisa, pela UERJ, práticas de Justiça, Memória e Reparação na área de Sociologia Urbana.

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