Ganhadora do Prêmio Espírito Público, guarda municipal Cíntia Aires é primeira entrevistada da série sobre importância do trabalho dos funcionários públicos gaúchos em meio à catástrofe climática

Por Eugênia Lopes — Especial para República.org

Situação em locais de risco em decorrência da enchente em Pelotas. Foto: Michel Corvello/Prefeitura de Pelotas.

Mal assumiu o comando da Segurança Pública de Pelotas, a servidora pública Cíntia Aires, 41 anos, se viu diante de um dos maiores desafios de sua vida profissional: preparar, no início de maio, com a Defesa Civil, bombeiros, policiais civis e federais, uma autêntica operação de guerra para evacuar a população pelotense ameaçada pelas inundações. Uma das maiores cidades do sul do estado do Rio Grande do Sul, Pelotas fica às margens da Lagoa dos Patos, única rota de saída das águas que provocaram enchentes em Porto Alegre.

“Aqui em Pelotas trabalhamos mais na questão preventiva do que em resgates, como foi em Porto Alegre. Tivemos um tempo um pouco maior para atuar, depois das chuvas e inundações que ocorrem no Centro e no Norte do estado. Sabíamos que essa água toda viria para nós”, explica Cíntia, ganhadora do Prêmio Espírito Público, em 2021, na área de segurança pública. Ela é a primeira personagem de uma série de funcionários públicos gaúchos entrevistados pela República.org sobre a importância do serviço público na reconstrução do Rio Grande do Sul.

Funcionária pública desde 2012, quando passou no concurso para a Guarda Municipal de Pelotas, Cíntia é um dos cerca de 10 mil servidores de Pelotas que se revezam dia e noite na orientação e ajuda aos desabrigados pelas enchentes. As inundações na cidade atingiram os bairros mais próximos à Lagoa dos Patos, levando 723 pessoas para oito abrigos municipais e outras 510 pessoas para 23 abrigos menores. Há ainda um contingente de pessoas que deixaram suas residências e foram para as casas de parentes e amigos.

Com os demais secretários do município, Cíntia integra o “Gabinete de Crise”, que se reúne diariamente para verificar as emergências e definir os próximos passos na reconstrução da cidade. “O serviço público é essencial para que a população possa ter sua rotina restabelecida. Tudo depende muito do trabalho dos servidores públicos, que hoje estão se empenhando para que a população tenha os seus direitos preservados“, afirma a secretária. “Na retomada das águas para o seu fluxo normal, a cidade vai precisar passar por uma limpeza urbana completa; vai precisar da segurança pública mais presente; vai precisar da iluminação pública adequada, do saneamento básico de forma adequada. Ou seja, os serviços públicos são essenciais”, observa Cíntia.

O serviço público é essencial para que a população possa ter sua rotina restabelecida. Tudo depende muito do trabalho dos servidores públicos, que hoje estão se empenhando para que a população tenha os seus direitos preservados.

Cíntia Aires, secretária municipal de Segurança Pública de Pelotas (RS)

Assim como a servidora gaúcha, o diretor-executivo da República.org, Fred Melo, destaca a importância do trabalho dos servidores na reconstrução do Rio Grande do Sul, que têm se dedicado incansavelmente para mitigar os estragos e aliviar o sofrimento da população afetada. “Nós da República.org acreditamos no poder de cooperação e união do setor público, privado e da sociedade civil na reconstrução do estado do Rio Grande do Sul. Movidos pela virtude da solidariedade e pelo espírito público, confiamos no protagonismo dos servidores públicos nesse processo. Temos no Rio Grande do Sul um quadro de servidores à altura do que o momento exige”, enfatiza Fred.

As águas do Rio Guaíba começaram a chegar em Pelotas no dia 5 de maio, exatamente um mês depois de Cíntia Aires assumir o cargo. Desde então, a rotina da guarda municipal se transformou em um turbilhão, em meio a reuniões e ao trabalho de apoio e acolhimento à população vítima das enchentes. Além do desgaste físico, Cíntia destaca também o desgaste emocional diante da tragédia na vida de centenas de famílias pelotenses.

“O lado emocional fica muito abalado; sempre pensamos que podemos fazer mais. Até na hora que a gente vai dormir, fica com peso na consciência, pensando que alguém vai precisar e você não vai dar conta de atender”, afirma a secretária, que é casada e mãe de uma menina de 10 anos.

Trajetória

Com uma história profissional marcada pelo pioneirismo, Cíntia Aires é a primeira mulher a assumir a secretaria de Segurança Pública de Pelotas e também a primeira a comandar a Guarda Municipal da cidade. Em 2017, quando Pelotas detinha um dos maiores índices nacionais de mortes por 100 mil habitantes, Cíntia participou do processo de criação do Observatório de Segurança Pública, o qual coordenou por cinco anos.

A secretária municipal de Segurança Pública de Pelotas (RS) Cíntia Aires. Foto: Divulgação.

Em 2021, ela ganhou o Prêmio Espírito Público, implementado pela República.org, que valoriza projetos de servidores públicos por todo Brasil. Ela venceu com o projeto voltado para o monitoramento de dados criminais.

A servidora construiu um banco de dados criminais para que, a partir dos indicadores encontrados, fosse possível melhorar o policiamento e diminuir a ocorrência de crimes praticados no município.

Em 2022, Cíntia assumiu o comando da Guarda Municipal de Pelotas. “Nos 33 anos de história da guarda, fui a primeira mulher a assumir a força de segurança municipal”, diz. Cíntia ficou no cargo por dois anos e, em abril deste ano, foi nomeada secretária de Segurança Pública.

Reconstrução

Em meio ao maior desastre climático da história do Rio Grande do Sul, a palavra de ordem no estado agora é reconstrução. Bairros inteiros – e até municípios que ficaram debaixo de água – terão de ser reconstruídos, exigindo, em algumas situações, o reassentamento, o que significa que deverão ser construídos em outro lugar.

Nós da República.org acreditamos no poder de cooperação e união do setor público, privado e da sociedade civil na reconstrução do estado do Rio Grande do Sul.

Fred Melo, diretor-executivo da República.org

Um boletim da Defesa Civil do Estado do Rio Grande do Sul, divulgado no dia 23 de maio, apontava que as enchentes deste ano afetaram 469 dos 497 municípios gaúchos. Cerca de 2,3 milhões de pessoas foram atingidas e mais de 580 mil estão desalojadas. Segundo o boletim, havia 163 mortes confirmadas e 64 pessoas desaparecidas, além de 806 feridos.

Diante da tragédia, o governo federal criou a Secretaria Extraordinária da Presidência da República para Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul. Com status de ministério, a secretaria extraordinária é responsável pela coordenação das ações a serem executadas pela administração pública federal no Rio Grande do Sul, em parceria com os ministérios competentes. Também promoverá a articulação entre os governos federal, estadual e municipais, e fará a interlocução com a sociedade civil.

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